As crises e a raiva (parte 2)
Em nossa última conversa tratamos do surgimento dos “gatilhos da raiva”, do surgimento destes “seres” – representados por animais – urso, raposa e no caso do filme que analisamos, um tigre – que personificam nossa fúria, nosso elemento de preservação pessoal. Sim, nós os mantemos pois, aos nossos olhos, eles foram responsáveis por nossa sobrevivência e por hábito, ainda contamos com eles ainda na fase adulta. Mas haverá outros caminhos?
Após uma infância desafiadora ou mesmo momentos de estresse prolongados, usualmente vemos o surgimento destas “feras”. Mas é preciso pacificá-las, afinal, o convívio com animais ferozes é impensável para pessoas civilizadas. Em outras palavras, se queremos conviver, temos que domesticar nossas “bestas”, ou tal como no filme, permitir que elas possam partir. Permitir a nós mesmos buscarmos outras formas de solucionar nossos problemas.
Mas não é um processo fácil, as “feras” são fortes e intratáveis, também não confiam em nós, acreditam que ainda precisam fazer todo o “serviço” para garantir a nossa sobrevivência. Nós precisamos conquistar a confiança destes “animais”. Tal como no filme, primeiro é necessário observá-los compreender como surgem, quais gatilhos os fazem entrar em ação. Depois é preciso ter compaixão pelo animal. Ele está usualmente cansado de tantas batalhas por nós, causou prejuízos, mas nos salvou várias vezes. Cabe também perdoá-lo, ele fez o seu melhor. Por fim, ter gratidão, um sentimento fundamental para “caminharmos” neste território. Este sentimento genuíno é a chave para a pacificação das feras.
De verdade, não teríamos sobrevivido sem elas, deram o seu melhor, nos tornaram pessoas fortes, “temidas” e usualmente nos fizeram persistentes, permitindo que construíssemos bons resultados. Mas na fase adulta, em especial após os trinta anos, estas “bestas” podem seguir atuantes mesmo quando provocam perdas e danos – afastam e magoam pessoas, estraçalham parcerias e hostilizam clientes. Usam o discurso que é para o nosso bem, mas o padrão segue tóxico e o desgaste interno é enorme. Temos que ter firmeza (a “fera” precisa ser pacificada) e candura (gratidão pelo passado). Esse processo irá demandar de nós, muita coragem, não se iluda, ela é um animal selvagem e feroz!
O processo de pacificação costuma ser lento e bastante doloroso, como quase todo processo de aprendizagem – com muitos altos e baixos. Afinal, não se domam feras da noite para o dia, nem as ‘’feras” da raiva e nem as da ignorância. O fator decisivo será nossa postura, nossa capacidade em sermos confiáveis, conscientes dos problemas, comprometidos em não procrastinar e em enfrentar a tudo com serenidade mas firmeza. Assim, nós conquistamos a confiança do animal, de que seremos capazes de cuidar de nós mesmos – essa totalidade complexa, de muitas facetas.
A despedida é dolorosa, a gratidão e a profunda compaixão por estes seres tornam-se ainda mais real. Além disso, há certa beleza e fascínio em sua força e ação, mas fizemos uma escolha, queremos ser civilizados. Eles partem para a floresta do nosso ser, não há despedida, o que nos indica que precisamos ser vigilantes e comprometidos com nosso voto de cuidar de todos na “casa”, e podemos inclusive usar da energia da ira, mas com sabedoria. Essa partida, abre um leque de novas possibilidades, mais amor, mais leveza e alegria em nossas relações.
E para você, como tem sido seu processo de pacificação interna? Já encarou sua “fera” face a face?