As crises e a raiva (parte 1)

Momentos de  crise demandam ação e muitas vezes, inovação – um processo que envolve a participação de outros para que melhores ideias e estratégias possam ser geradas.

No entanto, é comum as crises acionarem reações bruscas em nosso ser, vinculadas a sentimentos como medo e raiva. Nosso foco, nesta conversa, será a raiva. É um desafio lidar com a raiva, ao menos para mim, pois ela não é sempre danosa e usá-la com sabedoria é importante e isto requer que tenhamos um certo discernimento e controle sobre ela, sobre nós.

Segundo K. Cashman, em relação às diversas situações de nossa vida, podemos considerar o modelo dos círculos concêntricos de ação denominado C.I.A.. Onde o círculo menor e mais interno é o do C – controle, aqui se encontra tudo aquilo que mesmo em situações de crise, nós temos controle. O segundo círculo, logo após o do controle, é o círculo de influência (I). Nesta região do modelo, fica tudo e todos que não temos controle mas acreditamos poder exercer algum tipo de predomínio. E o círculo mais externo é o círculo do A – aceitação.

Em uma crise, como uma pandemia mundial, onde vemos nossos negócios serem fechados e inúmeras questões, dúvidas e pressões de diferentes ordens surgirem ou mesmo vemos nossos empregos em risco pode ser útil observar o uso destes círculos.

Primeiro, cada um de nós, tem o seu próprio modelo CIA de círculos, coisas ou pessoas que se encontram no meu círculo de aceitação, pode estar no círculo de influência de outra pessoa. Mas invariavelmente, há coisas que temos que aceitar – uma doença nova, ainda pouco conhecida, um ambiente externo de muitas incertezas é muito provavelmente que esteja no círculo de aceitação de quase todos nós.

Algo com esta dimensão, aumenta nossa expectativa e ansiedade em relação ao que pode ser feito nos demais círculos e esta pressão pode mobilizar nossa raiva e com facilidade pode esvaziar um importante círculo de nosso modelo, o círculo do controle. Sim, é comum, uma vez eclodindo a raiva, perdermos o autocontrole e com ele muitas oportunidades de inovar e se reinventar. Se perdemos tanto, porque isso acontece?

Talvez você tenha assistido o filme “As aventuras de PI” (caso não tenha visto, ainda dá tempo, kkk!). A estória relata a vida de um jovem gentil, que lida de forma inteligente com o inicialmente hostil ambiente de sua escola, que busca explorar sua conexão espiritual e vê seu mundo ruir quando a família entra num navio com destino ao Canadá e este sofre um naufrágio. Sua raiva eclode como uma reação necessária para sobrevivência. Ela assume a forma de um terrível tigre. Este belo e feroz animal o protege mas também quase o devora.

Usualmente é assim a nossa raiva – deixa um rastro de destruição, de “terra arrasada” por onde passa. Ficamos “salvos” mas sozinhos. Poucas coisas podem ser tão ruins como a solidão frente às crises e necessidade de inovação.

Infelizmente,  muitas vezes não é preciso um naufrágio, segundo Clarissa Èstes, um processo de dor pode dar vazão à raiva. Se quando crianças fomos submetidos a muitas cobranças, ou negligenciados ou ainda perseguidos ou desrespeitados, ou se imitamos nosso pai (mãe, avó, tio ou outro modelo qualquer), se nos foi demandado  ignorar fatos agressivos ao nosso redor, que terminamos por ficar exauridos como se tivéssemos sobrevivido a um naufrágio, podemos ter nestes elementos a fonte de uma tristeza extrema. Esta dor pode ser o gatilho que nos faz “jurar que quando adultos, não passaremos mais por isso” – e assim,  nasce uma “fera”.

Quando finalmente, chegamos a fase adulta, por vezes, um tom de voz, certos gestos, palavras e outros gatilhos tem o poder de acionar em nós uma reação desproporcional mobilizada pela raiva descontrolada. O gatilho faz “liberar” nossa fera que tem por objetivo único, nos defender. Mantemos a fera por perto, pois temos a impressão que fomos “protegidos”, novamente fomos “salvos” por nossa raiva. No entanto, se olhamos com atenção, estamos sozinhos em uma terra devastada. Como fazer, agora que temos este hábito, esta “companhia” a quem creditamos tantos benefícios, será que esta é a única forma de “sobreviver”?  Como você tem sobrevivido?

 

 

 

Atuo na área de desenvolvimento de competências de liderança e empreendedorismo desde 2002, utilizando metodologias ativas que fortalecem a autorresponsabilização por meio de oficinas, palestras e cursos. Credenciada como facilitadora do Seminário Empretec e da ENAP (Escola Nacional de Administração Pública) há mais de dezoito anos. Sou formada em Engenharia Elétrica pela UnB, com formações em Gestão de Pessoas com base em competência, Coach (pela Sociedade Brasileira de Coaching) entre algumas outras. Entre clientes: Grupo InPress, Banco do Brasil, Sebrae Nacional, Sebrae DF, Sebrae AP, Sebrae MG, Almeida França Engenharia, IFCT/ Volta Redonda; CTIS, PGR, entre outros.