Artigo 1 – Um conto russo: o “bom” e o “mau”
Parte 1:
Segundo Clarissa Pinkla Estès, quando nos sentimos impotentes, inseguros, hesitantes, bloqueados, incapazes de realizações, isso ocorre porque de alguma forma perdemos o contato conosco mesmo.
Isso pode indicar que é tempo de voltar a cultivar a própria intuição, essa força interna que busca revelar a nós mesmos. Este cultivo é um caminho, uma jornada que nos é transmitida em muitos mitos e contos. Clarrissa elucida o conto: Vasalisa e aqui, trago meu olhar sobre a primeira parte dele.
Tal como em muitos mitos, a estória começa com a morte da mãe de Vasalisa. Uma mãe muito boa que antes de morrer entrega à doce menina uma pequena boneca, alertando que a boneca tinha uma função de proteção e Vasalisa deveria alimentar e conversar com a boneca, sem revelar isso a ninguém, guardando-a em seu avental. Crescer, tornar-se adulto, buscar entender o mundo por nós mesmos, de fato, demanda que a excessiva proteção e cuidado, um certo medo, morra. Mas honrar nossa história, o amor e cuidado recebido de nossos pais e os valores passados é como receber uma benção, muito especial. E ela só terá valor se tivermos o compromisso de cultivá-la, tal como Vasalisa.
O tempo passa e o pai de Vasalisa decide se casar novamente, desta vez, com uma viúva que tinha duas filhas. Tal como em Cinderela, duas pequenas megeras. O trio não gosta de Vasalisa e tão logo o pai sai numa viagem a trabalho, deixam o fogo da lareira apagar, obrigando a menina a ir até a floresta e pedir fogo para a bruxa Baba Yaga. Em nossa jornada pessoal, avançamos com a porção “razão” – masculina, usualmente pouco desenvolvida; e somos envolvidos pelo meio, comumente, pouco amistoso. Felizmente, a vida conspira nos empurrando na direção do nosso fogo, o nosso propósito e isso muitas vezes nos parece “hostil”. Éramos servidos, protegidos e agora, temos que partir para fortalecer nossa intuição. Muitos acreditam que “morreremos” ao buscar o fogo espiritual de nossa intuição, ao nos deparar com as dificuldades e obstáculos da vida e essa era a crença da madrasta e das irmãs de Vasalisa.
Prontamente, Vasalisa aceita ir buscar o fogo e segura firme na boneca que está guardada no seu avental. Parte para a floresta escura e depois de caminhar bastante, encontra a curiosa casa de Baba Yaga. Como bem cabe a uma bruxa, Yaga não desaponta. Possui muitas verrugas, um queixo muito prolongado que encontra o nariz curvo próximo à boca. Com os cabelos desgrenhados, chega voando em um caldeirão e com voz estridente pergunta o que a menina faz ali. Quantas vezes estivemos nesta floresta? Buscando um “lugar ao sol”, procurando emprego, parcerias, alguma forma de ofertar valor e nos deparamos com um chefe ou cliente bem próximo de uma BabaYaga. As Yagas podem até ter uma aparência menos feia mas nós conseguimos identificá-las com clareza, ou assim acreditamos quando nossos olhos ainda são pouco experientes. Sim, essas bruxas, ou bruxos, transformam nossas vidas!
Vasalisa responde que quer fogo e Baba Yaga pergunta porque ela acredita que a bruxa lhe dará isso. A menina, orientada por sua boneca, responde que a bruxa dará pois ela está pedindo. Sim, buscamos encontrar nosso “fogo”, nosso propósito nestas “florestas” urbanas e para isso, temos que pedir. São inúmeros processos seletivos, encontros e construção de relacionamento – a oferta, a venda! Um razoável exercício de humildade, de saber-se dependente do outro, na verdade, há uma interdependência que usualmente não conseguimos perceber no início.
Como uma boa Yaga, a bruxa diz que a menina teve sorte pois aquela é a reposta certa mas que jamais dará o fogo, sem que Vasalisa trabalhe para ela. Assim, solicita que a menina coloque tudo em ordem na casa e depois separe sementes de papoula que se encontram num monte de estrume. Mas que descrição precisa sobre algumas de nossas experiências de trabalho, em especial no início de novas empreitadas: somente cumprir, organizar, seguir os processos e rotinas, nada de criatividade!! E por fim, separar o “nada”, num monte de estrume! Para dar cabo das atividades, Vasalisa conta com a presença e suporte de sua boneca. Sim, usualmente não temos consciência que estas atividades fortalecem nossa intuição e nossas habilidades – são etapas fundamentais que demandam atenção e método. Bons chefes cobram excelência, são focados em resultados e processos. Mas se forem bons mesmos, possuem um estilo pessoal de acender nosso fogo da intuição, do propósito, que aos poucos revela nosso talento latente. Tal como é dito, ninguém começa arando em sua própria terra e é sábio sermos gratos àqueles que nos acolhem e lapidam apesar de toda sua humanidade. Uma vez acessa a chama do propósito é tempo de seguir a jornada, mas esta conversa fica para o próximo artigo. Até lá!
Mônica Eickhoff